Na outra banda

Vou-me até à Outra Bandano barquinho da carreira.Faz que anda mas não anda;parece de brincadeira.Planta-se o homem no leme.Tudo ginga, range e treme.Bufa o vapor na caldeira.Um menino solta um grito;assustou-se com o apitodo barquinho da carreira.Todo ancho, tremelicacomo um boneco de corda.Nem sei se vai ou se fica.Só se vê que tremelicae oscila de borda a borda.Chapas de sol, coruscantescomo lâminas de espadas,fendem as águas rolantesesparrinhando flamejanteslantejoulas nacaradas.Sob o dourado chuveiro,o barquinho terno e mole,vai-se afastando, ronceiro,na peugada do Sol.A cada volta das pásmoendo as águas vizinhas,nos remoinhos que faz,nos salpicos que me traze me enchem de camarinhas,há fagulhas rutilantes,esquírolas de marcassites,polimentos de pirites,clivagens de diamantes,Numa hipnose coletiva,como um friso de embruxados,ao longe os olhos cravadosem transe de expectativa,todos juntos, na amurada,numa sonolência de ópio,vemos, na tarde pasmada,Lisboa televisadanum vasto cinemascópio.O sol e a água conspiramnum conluio de beleza,de elixires que se evadiramde feiticeira represa.Fulva, no céu incendido,em compostura de pose,a cidade é coloridocenário de apoteose.Há lencinhos agitadosnos olhos de todos nós,engulhos de namorados,embargamentos na voz.Nesta quermesse do ar,neste festival de tons,quem se atreve a acreditarque os homens não sejam bons?Adeus, adeus, ribeirinhacidade dos calafates,rosicler de água-marinha,pedra de muitos quilates.Iça as velas, marinheiro,com destino a Calecu.Oh que ventinho rasteiro!Que mar tão cheio e tão nu!Ó da gávea! Põe-te alerta!Tem tento nos areais.Cá vou eu à descobertadas índias Orientais.Não tenho medo de nada,receio de coisa nenhuma.A vida é leve e arrendadacomo esta réstea de espuma.Toda a gente é séria e é boa!Não existem homens maus!Adeus, Tejo! Adeus Lisboa!Adeus, Ribeira das Naus!Adeus! Adeus! Adeus! Adeus! António Gedeão

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